Copio aqui o que escrevi no fórum do SBB sobre o filme:
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Então, fui ver Tropa de Elite com a Cristina no cinema. O filme é absolutamente genial.
Mas, curiosamente (quer dizer, não tão curiosamente assim, depois explico o motivo), boa parte do debate sobre o filme está centrado numa coisa que eu considero secundária: o comportamento do capitão Nascimento, as torturas e tal. Eu não acho que a alma do filme esteja aí.
Na verdade, o principal recado do filme está em duas cenas emblemáticas. A primeira é aquela em que o capitão Nascimento esfrega a cara do "estudante" no corpo do traficante que o Bope acabou de matar, perguntando "você sabe quem matou esse sujeito?". A outra cena é aquela em que o tenente Matos interrompe a passeata em homenagem à ONGueira executada pelo Baiano. Porque o principal do filme é justamente isso: a classe média/média-alta/alta consumidora de drogas é que financia o tráfico. Ora raios, de onde vem a grana que o tráfico usa para comprar armamento que, em qualquer outro país, só é usado em guerra? Certamente não é do rendimento das ações da Vale que os traficantes compraram usando o FGTS. E também não é dos trocados que os meninos de rua pagam por uma pedra de crack; é da venda da droga que sacia o vício daqueles que podem pagar bem por ela.
E isso explica por que, como eu disse no começo, tem gente que prefere desviar o debate para as torturas praticadas pelo capitão Nascimento - para não ter de admitir qual é o maior aviso que Tropa de Elite passa. As pessoas que não gostaram do filme e o criticaram publicamente podem ter vários motivos para isso, mas aposto minha Crop-a-Dile que muitos dos que malham o filme agora fazem isso porque a carapuça serviu. Não gostaram de ser desmascarados como financiadores do tráfico.
Pois bem, daí deriva uma segunda discussão, que o filme não aborda. E se legalizar a venda e o consumo de drogas, a violência ligada ao tráfico não acabaria?
Aí é que está: então teria que se legalizar tudo, porque se certas drogas (vamos supor, as mais fortes) continuassem ilegais, o tráfico continuaria existindo. Se, por exemplo, fosse permitido comprar só uma certa quantidade (como já vi sugerido em comunidades de Orkut), o tráfico continuaria existindo para suprir a necessidade/vontade do viciado que desejasse mais que a quantidade máxima permitida para venda legalizada. Então a legalização teria de ser ampla, geral e irrestrita.
Depois, que a legalização e qualquer política de redução de danos, como distribuir seringa para viciados não se contaminarem com o HIV, esconde uma grande perversidade que vou explicar mais adiante.
Todos concordamos que a droga acaba com quem a usa. Pois bem, aí vem o cara da redução de danos e diz "ah, vamos distribuir seringas, aí o viciado pode se entupir de cocaína, mas pelo menos não pega Aids", ou "ah, vamos legalizar, porque aí o povo vai se entupir de droga, mas pelo menos não vamos ter mais bala perdida em confronto de polícia e traficante". Claro que não dizem com essas palavras, mas na prática é isso aí.
O que o cara da redução de danos faz é dividir o mundo em dois tipos de pessoa: o que é gente boa e não merece pagar pelas burradas dos outros (por exemplo, o cara honesto que não merece levar uma bala perdida num tiroteio, ou a namorada do viciado em droga injetável que não merece pegar Aids do namorado que compartilhou seringa); e o que pode se degradar à vontade, desde que não prejudique o pessoal do primeiro grupo. "O sujeito quer cheirar cocaína até sair pela orelha? Problema dele; importa é que não passe doença pra ninguém". Só que, para quem acredita na dignidade de todo ser humano, é inaceitável dividir o mundo assim.
Além do mais, eu particularmente tenho para mim que uma das funções da lei é proteger o cidadão - inclusive protegê-lo de si próprio. Muita gente pede a legalização de certos comportamentos ou atitudes "porque todo mundo já faz mesmo", que continuar proibindo isso ou aquilo é hipocrisia, utopia, sei lá eu. Mas se legalizarmos o consumo de drogas, que Estado é esse que permite que a pessoa acabe consigo mesma?
E, à medida que se vai permitindo isso ou aquilo, começa uma espiral de degradação da sociedade. Hoje você permite o comportamento x; em 2017, vão começar a pressionar pela legalização do comportamento y, que em 2007 é considerado uma aberração; em 2027 vão querer permitir o comportamento z, que em 2017 era visto como absurdo; e por aí vai, até regredirmos à barbárie completa.
Basta ver, por exemplo, o que o Estado alemão fez na década de 30: era permitido discriminar judeus (e fazer horrores com eles); ou o Estado norte-americano e sul-africano até poucas décadas atrás: era permitido discriminar negros. Quanto uma lei determina o que é proibido ou permitido, é como se o Estado traçasse uma linha dizendo "passou daqui, é ruim para você, ou ruim para a sociedade". Nesses países em que se afrouxou a linha, sempre foi para o lado mais permissivo: era permitido matar, era permitido discriminar. E agora, querem justamente que o Brasil faça a mesma coisa: mude a linha para o lado da permissividade. É coisa de quem não pensa nas conseqüências.
Desculpem o post longo, mas meu objetivo é fazer pensar mesmo.
3 comentários:
Bravo, meu amigo!
As pessoas CISMAM em querer consertar a sociedade estragando-a mais. Porque é mais fácil permitir que coibir, passar a mão na cabeça que educar.
Isso, é claro, até a hora que o monstro criado resolve levantar sua cabeça feia a morder alguém.
Muito carinho. :)
Marcio, você disse TUDO!!!!
Achei muito legal suas páginas sobre os jogos!
bravo!!!!
Não poderia concordar mais com cada linha que você escreveu. Ainda não tive a oportunidade de ver o filme, mas meu marido assistiu e me passou as mesmas impressões que você.
bjusssss
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